Problemas de saúde associados ao uso de álcool e outras drogas entre idosos são geralmente relacionados às mudanças fisiológicas próprias do avançar da idade, como maior sensibilidade a tais substâncias, aumento do número de condições comórbidas e uso concomitante de medicamentos. Por outro lado, diversas pesquisas apontam para potenciais efeitos benéficos do consumo de álcool em níveis leves a moderados*.
Na tentativa de melhor entender esse aparente paradoxo, estudos sobre o consumo de álcool entre idosos vêm sendo amplamente realizados em diferentes países; porém, pouco se sabe sobre o comportamento de beber dos idosos brasileiros. Sendo assim, um estudo analisou os dados do Projeto SABE** referentes à cidade de São Paulo, com o objetivo de caracterizar o consumo de álcool em idosos por meio da avaliação da frequência de uso nos últimos três meses, determinação de fatores sociodemográficos e de saúde associados, e possíveis mudanças no comportamento de beber desses idosos após um período de seis anos.
No ano de 2000, foram entrevistados 2.143 indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, dos quais 1.115 responderam à pesquisa novamente em 2006. A frequência de consumo de álcool nos últimos 3 meses foi obtida por autorrelato dos idosos à pergunta: “Nos últimos 3 meses, em média, quantos dias por semana tomou bebidas alcoólicas? (Por exemplo: cerveja, vinho, aguardente ou outras bebidas que contenham álcool)”. Foram utilizadas três categorias de frequência de uso de álcool: baixo consumo (menos de 1 dia por semana); consumo moderado (de 1 a 3 dias por semana) e alto consumo (4 dias ou mais por semana). Os indivíduos que permaneceram no estudo até 2006 foram comparados quanto à categoria que pertenciam na primeira entrevista, verificando se houve permanência ou mudança no padrão de consumo e os potenciais fatores associados.
Os resultados demonstram que, em 2000, quase 80% da amostra de idosos relatava baixo consumo de álcool, 13% eram bebedores moderados e 7% apresentaram alto consumo. Homens bebiam proporcionalmente mais quando comparados às mulheres e aqueles que relataram alto consumo também apresentavam maior nível de escolaridade, renda e boa autopercepção de saúde.
Ao longo dos 6 anos, o aumento observado no consumo de álcool foi associado positivamente à boa autopercepção de saúde para os homens e a maior nível de escolaridade para mulheres. Aqueles que mantiveram sua frequência de consumo estável, independente do gênero, apresentavam altos níveis de renda e escolaridade. Apesar da maioria dos idosos relatar uma baixa frequência de ingestão de álcool, 25% dos homens e 15% das mulheres se comportaram como bebedores estáveis ou referiram aumento no consumo de bebidas após 6 anos. Os autores do estudo sugerem que tal impacto positivo para o uso de álcool poderia estar relacionado ao aumento de informações referentes aos benefícios do consumo moderado dessa substância divulgadas nos últimos anos.
Conclui-se, a partir deste estudo e com base em dados de outros países, que as políticas direcionadas ao consumo de álcool também devem contemplar a terceira idade, uma vez observadas as tendências para o aumento do uso dessa substância nessa população.
* O uso moderado é um conceito difícil de ser estabelecido, na medida em que países e instituições de pesquisa consideram diferentes quantidades de álcool para uma dose-padrão. O National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA) considera consumo moderado ou de baixo risco aquele que não ultrapassa os seguintes limites: para homens, no máximo 4 doses em um único dia e não mais que 14 doses por semana; para mulheres, no máximo 3 doses em um único dia e não mais que 7 doses por semana. Mesmo dentro desses limites, alerta-se que o indivíduo pode ter problemas se beber muito rapidamente ou tiver outros problemas de saúde, e que algumas pessoas devem evitar completamente o consumo de álcool (por exemplo, aqueles que planejam dirigir um veículo automotor ou operar máquinas, mulheres grávidas ou que estão tentando engravidar, indivíduos que fazem uso de medicamentos cujos efeitos possam interagir com o álcool ou que tenham alguma condição médica que pode ser agravada pelos efeitos do álcool). Segundo o NIAAA, 1 dose contém aproximadamente 14 g de álcool puro, o equivalente a 1 lata de cerveja de 355 ml, 1 taça de vinho de 150 ml ou 1 dose de destilado de 45 ml.
** Conduzido pela Organização Pan Americana da Saúde (OPAS) em 2000, o Projeto SABE (Saúde, bem estar e envelhecimento) é um estudo multicêntrico que visou traçar o perfil das condições de vida e saúde de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos em sete centros urbanos da América Latina e Caribe. Em São Paulo, ele é desenvolvido pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa em Envelhecimento – NAPSABE, no Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, com apoio financeiro da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Saúde.
Fonte:CISA - Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool
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