Quando vai dormir, o garoto está na rua. Os dois moram na favela de Villa Lamadrid, perto de onde nasceu o jogador Diego Maradona.
Há cerca de seis meses, o filho foi largado pela namorada. Ela relata que o garoto ficou mais ríspido, algumas coisas começaram a sumir e, às vezes, ele passa dias fora.
A suspeita se confirmou: o rapaz fuma paco. Nos meses seguintes, ele começou a roubar (“fico com vergonha de sair de casa”, conta). Em discussões que tiveram sobre o paco, o filho a agrediu. Ela decidiu procurar ajuda.
O paco é uma droga derivada da cocaína, parecida com o crack, e o consumo tem aumentado na Argentina. Um papelote pode chegar a custar o equivalente a R$ 2,75, afirma o usuário Jorge Echeverrido, 38.
“É a droga dos pobres”, diz. Ele acrescenta, no entanto, que o preço médio é mais alto, em torno de R$ 8,40.
O crack é uma mescla de cocaína com bicarbonato de sódio, enquanto o paco tem ácido sulfúrico, querosene e outros químicos, explica Alicia Romero, 53, integrante da organização “Madres Contra El Paco”.
“Os ‘transas’ [pequenos traficantes] misturam veneno de rato ou talco, para aumentar os lucros”. Frequentemente, os usuários de paco o fumam junto com maconha.
Os números oficiais estão desatualizados -a última pesquisa é de 2010. O levantamento apontava que 0,3% da população, ou cerca de 120 mil pessoas, já usaram paco.
No mesmo período, 0,1% dos argentinos haviam fumado crack. A informação é da Sedronar, órgão de prevenção ao uso de drogas (a Folha pediu para entrevistar o diretor da Sedronar, o padre Juan Carlos Molina, durante três semanas, mas não foi atendida).
Como comparação, no Brasil, a porcentagem de pessoas que fumam crack é de cerca de 0,8%, de acordo com a Fundação Oswaldo Cruz.
Irmãos do paco
De 2010 para cá, a situação piorou bastante, relatam as pessoas envolvidas com a prevenção e o tratamento.
Uma delas é o padre Charly, 38, que mora há sete anos na Villa 1-11-14, uma favela no bairro de Bajo Flores, em Buenos Aires.
Ele dá assistência a usuários de paco em um centro da igreja, chamado Lar de Cristo. Cerca de cem pessoas por mês fazem refeições, usam os dormitórios e, eventualmente, recebem auxílio de psicólogos no lugar.
O padre conta que ele e seus colegas deixaram de percorrer as ruas para levar os usuários para a sede do Lar de Cristo, pois, hoje, não dão mais conta da quantidade de pessoas -ele estima que na favela onde mora e em outras ao redor, sejam cerca de mil, em um total de mais ou menos 50 mil habitantes.
Atualmente, só frequenta o espaço quem vai até lá. É o caso de Jorge Echeverrigo, e do irmão dele, Maxi Echeverrigo, 33.
Maxi conta que os dois começaram a beber álcool muito cedo, com cerca de 12 anos. Ele diz que aos 15, saiu da casa dos pais, no bairro de Barracas, e foi viver nas ruas de Buenos Aires, onde pedia de esmolas e, eventualmente, praticava pequenos roubos.
Jorge teve uma trajetória semelhante. Foi preso e, quando saiu, em 2009, entrou em “situação de adicção” a paco. Ele relata que conseguiu ficar o ano passado quase inteiro sem usar, mas que, em dezembro, teve uma recaída. “Tem muitos ‘transas’ na rua”, diz.
Maxi afirma que, apesar de usar paco, ele faz isso muito esporadicamente, e que seu maior problema é o álcool.
Segundo a Sedronar, os dois não fazem parte do maior contingente de usuários: é entre as pessoas com até 24 anos que a taxa de consumo é mais alta, com 1,1% da população nesta faixa.
É o caso do filho de Angélica Arepa, a ambulante que mora em Lomas de Zamora.
Ela procurou a “Madres Contra El Paco” para tentar internar o garoto, mas foi dissuadida porque soube que é difícil obter uma vaga (a Sedronar, eventualmente, paga por uma internação, mas não é fácil conseguir).
Ela afirma que o pai do menino não mora com eles e que tem problemas com álcool.
Por enquanto, a ajuda que ela conseguiu foi a promessa do atendimento de um psicólogo que o grupo de mães indica para tentar remediar a situação.
Fonte: Folha de São Paulo
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