Para quem atende a esses pacientes, a visão implícita a esta interrogação é absolutamente errônea: a quase totalidade desses pacientes, já durante uma primeira avaliação, ou no decorrer do próprio tratamento, demonstra que a convivência de problemas de natureza emocional ou psiquiátricos é extremamente comum, rejeitando uma divisão entre essas duas categorias médicas.
Na verdade, essa é apenas a ponta do iceberg. A questão das drogas se mostra cada vez mais um problema multifacetado que extrapola qualquer tentativa simplista, abarcando aspectos sociais, políticos, de segurança, médicos e psicológicos. Essa simples constatação – simples apenas em sua superficialidade, e abordada na sua real complexidade – expõe visões que frequentemente vemos adotadas nos programas de atendimento ao usuário de drogas.
O fato é que, ao se enfrentar a questão das drogas, muitas perguntas fundamentais se encontram longe de uma resposta definitiva: o que leva uma pessoa a optar pela escravidão da dependência – comumente difícil de ser tratada –? Por que algumas pessoas, mesmo tendo contato com a droga, nunca se tornam dependentes, mesmo daquelas substâncias reconhecidamente da alta e rápida ação e, em consequência, de alto poder de dependência? Como e por que drogas que eram e são conhecidas da civilização, e historicamente utilizadas com parcimônia, se tornaram problemas e preocupações centrais das entidades médicas locais e internacionais? Ou, indo à essência da questão: estamos, com todos os esforços somados, ganhando essa guerra? Ou será que os debates em torno da questão não fazem mais do que arranhar a superfície da questão? Cada um certamente terá uma resposta, mas, no contato com as vidas destruídas dos usuários, é mais que evidente que não necessitamos de mais opiniões; necessitamos de mais respostas e precisamos delas com as mesmas características multifacetadas que tem o problema.
Mas, a essa altura, a indagação que inicialmente nos fizemos já nos parece poder ser respondida: neste universo, não só as duas interrogações não se mostram isoladas, como, tendo suas respostas somadas, não são capazes de responder à altura as dificuldades colocadas pela questão.
Mesmo considerando-se a utilização de substâncias lícitas como o álcool, é sabido que este, principalmente quando utilizado em doses “adequadas”, sempre teve o objetivo de facilitar dificuldades psicológicas no âmbito das relações sociais, e até hoje o faz com sucesso. No entanto, em nossa época, o que se tem visto é a utilização dele e de outras drogas lícitas na tentativa de tratar estados emocionais de claros diagnósticos de forma infeliz e, às vezes, desastrosa.
Assim, no caso de síndromes do humor, como a mania ou a depressão, sabemos que não raramente a primeira é tratada com os efeitos depressores do sistema nervoso central do álcool, enquanto que uma pretensa situação oposta, como seria a depressão – e já de início podemos afirmar que não se trata de situações claramente antagônicas –, é combatida com drogas como as anfetaminas. O que as duas classes de substâncias têm em comum é a possibilidade de determinar tolerância, a necessidade de doses crescentes para se obter o mesmo efeito. E a tolerância não deixa de ser o primeiro passo, facilitador e patrocinador da dependência.
O que pretendemos nestas poucas linhas foi determinar que doenças mentais mais frequentemente estão atreladas a dependências químicas, sem esquecer que as substâncias que determinam essas dependências também estão entre as causas das doenças mentais. De uma ou de outra forma, estão entrelaçadas, não podendo ser vistas como entidades isoladas.
Élio Luiz Mauer é diretor técnico da Unidade Intermediária de Crise e Apoio à Vida (Uniica).
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