Num momento em que vários países debatem a descriminalização da maconha, o Reino Unido pode proibir a venda de cigarros; inicialmente para as pessoas nascidas depois do ano 2000. A expectativa é, com isso, banir completamente o cigarro até o ano 2035, criminalizando a venda para toda uma nova geração. A ideia foi aprovada ontem no encontro anual da Associação Médica Britânica (BMA na sigla em inglês), a mesma que fez lobby para duas leis já em vigor: a da proibição do fumo em carros com crianças (de 2011) e em lugares públicos (2002). Isso significa que uma das entidades mais poderosas do país também fará campanha para a aprovação dessa proposta no Congresso.
Na esteira desta tendência mundial, ontem o governo dos Estados Unidos divulgou uma campanha chocante de ex-usuários contando suas experiências traumáticas com o tabaco. E o próprio Brasil só faz aumentar as restrições, com a aprovação de novas medidas no início do mês.
A maioria das políticas públicas implementadas nos últimos anos para controlar o acesso ao cigarro faz parte da Convenção Quadro para Controle do Tabaco, um tratado internacional de 2003 do qual o Brasil é um dos signatários. Ações como proibição de venda para menores, publicidade, sobretaxação, fumaça em locais públicos, entre outras, estão nessa convenção estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Não é o caso da proposta britânica, que, por isso, acabou dividindo opiniões até dos partidários das restrições.
A ideia é proibir completamente qualquer pessoa nascida no século XXI de comprar cigarros, não importando que idade ela tenha. O argumento do autor do projeto de lei, Tim Crocker-Buque, especialista em saúde pública, é que os jovens são os mais afetados pelo cigarro. Com a proibição, ele acredita, o país poderia se tornar o primeiro a erradicar completamente o fumo.
— Oitenta por cento dos fumantes começam quando adolescentes, como resultado da intensa pressão de outros jovens — disse ao jornal britânico “Guardian”. — Quem começa a fumar aos 15 anos tem três três vezes mais chances de morrer de câncer do que quem o faz aos 20 e poucos.
Além disso, 23% dos indivíduos entre 11 e 15 anos já experimentaram o cigarro no Reino Unido, segundo estatísticas nacionais de 2013. Ao todo, 20% da população é fumante.
Iniciar o hábito na adolescência não é tendência só do Reino Unido, mas sim, mundial, segundo a psiquiatra Analice Giglioti, chefe do setor de Dependência Química da Santa Casa de Misericórdia do Rio, que defende a campanha.
— Sou absolutamente favorável — diz. — O papel do Estado é proteger os adolescentes do vício, pois é uma época em que não se sabe bem a consequência das escolhas, e é quando há mais curiosidade por drogas.
A proposta britânica ganhou o apoio de Sheila Hollins, presidente do conselho científico da BMA, que diz que isto “quebraria o ciclo de crianças começando a fumar”. Mas foi rejeitada por outros médicos, que temem que a medida leve o cigarro para o mercado negro. Esse, por sinal, é um dos argumentos usados hoje para legalizar a maconha.
— É bem contraditório isso. Estão querendo proibir o cigarro e liberar a maconha, o que, por sinal, afetaria também os mais jovens, que vão começar a usar maconha com uma menor percepção do risco — completou Analice.
Grupos britânicos também questionam, segundo o jornal “Independent”, se a proposta de banir o cigarro seria realista. Uma nota do Departamento de Saúde britânico, por exemplo, preferiu dar ênfase às ações que já estão em curso:
“Já colocamos em prática ações para proteger as crianças dos perigos da compra de cigarros por adultos irresponsáveis e da fumaça nos carros. Também estamos prestes a realizar uma consulta pública sobre a padronização das embalagens e estamos proibindo a venda de cigarros eletrônicos para pessoas abaixo dos 18 anos”.
A opinião é compartilhada pela diretora-executiva da ONG Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), Paula Johns, lembrando que o projeto britânico provavelmente foi inspirado numa ideia já em debate em Singapura:
— Acontece que a Ásia tem um contexto cultural diferente. Há menor resistência a regulações — explica a especialista. — Em democracias mais questionadoras, como o Reino Unido, é complicado adotar este tipo de medida. Há muita margem para os ativistas que pregam a liberdade individual e são contra o chamado “Estado babá”.
Paula também questiona a operacionalização e a fiscalização de uma lei como esta, especialmente se chegasse ao Brasil. E acrescenta que há outras medidas já comprovadamente eficazes que precisam ser antes colocadas em prática. Ela cita a medida brasileira de proibição de aditivos nos cigarros, sobretudo os de sabores e aromas. A resolução aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está parada no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa de uma liminar da Confederação Nacional da Indústria (CNI), sob o argumento de a norma ser genérica demais, o que prejudicaria toda a indústria do tabaco.
LEIS ANTITABACO RESTRINGEM VÍCIO
Por outro lado, o Brasil tem avançado no controle tabagismo, hábito compartilhado por 15% da população. Este mês, a presidente Dilma Rousseff aprovou novas medidas, que incluem a proibição do fumo em locais fechados (o que não funcionava plenamente em todos os estados), fim dos fumódromos e da propaganda em locais de venda, além de mais advertências nas embalagens.
Os EUA também adotaram uma postura semelhante e divulgaram ontem uma forte campanha para chamar a atenção de potenciais usuários. Fotos, cartilhas e vídeos mostram imagens assustadoras sobre os riscos associados ao cigarro.
No sentindo contrário, no entanto, a indústria do tabaco na Indonésia tem simplesmente ignorado a legislação do país. Com isso, as embalagens continuam sem advertências, e as propagandas continuam a figurar em veículos e locais públicos. Lá o índice de fumantes chega a 67% dos homens acima dos 15 anos.
Fonte:O Globo