O secretário nacional de Drogas do Uruguai, Julio Heriberto Calzada, veio ao Brasil para participar de debate na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado. Provocado pelo senador Cristóvam Buarque, disse que, sim, talvez a legalização da maconha em seu país faça aumentar o número de usuários, mas associada a outras políticas públicas nas esferas cultural e social modificará os padrões de consumo e levará ao êxito na redução dos mesmos. O que se sabe, por ora, conforme informou o secretário, é que o Uruguai reduziu a zero o número de mortes relacionadas ao comércio de maconha desde que as novas regras entraram em vigor. Nosso vizinho garante acesso legal à cannabis se cultivada em até seis pés por moradia ou nos chamados “clubes de cultivo”. A droga também pode ser adquirida mediante um sistema de registro controlado pelo governo.
A iniciativa uruguaia serviu para nos chamar às falas: e o Brasil, o que fará em relação às drogas? De minha parte, a expectativa é de que sigamos pelo caminho oposto ao do nosso vizinho. E a primeira razão é de ordem médica. Especialistas como o professor Ronaldo Laranjeira, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo, alertam para o fato de que a maconha é — sim, senhor — extremamente maléfica ao organismo humano. Age no córtex cerebral, dificultando o raciocínio e a concentração, e no hipocampo, provocando perda de memória. Estima-se que os usuários frequentes da cannabis corram risco dobrado de desenvolver depressão e transtorno bipolar, e tenham probabilidade três vezes e meia maior de se tornarem esquizofrênicos. A chance de um usuário de maconha sofrer com transtorno de ansiedade é multiplicada por cinco em relação ao não usuário.
Os defensores da flexibilização legal do consumo da maconha, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dizem que a regulação cortaria o vínculo entre traficantes e consumidores e facilitaria aos dependentes graves acesso a tratamento médico. FHC também costuma citar os exemplos de 17 estados americanos e de países como Holanda e Israel, onde vigoram programas de fornecimento de maconha medicinal a pacientes com esclerose múltipla, ansiedade ou que sofram dos efeitos colaterais da quimioterapia.
Considero frágeis tais argumentos e tenho sérias dúvidas quanto ao sucesso da liberalização nesses países. Além do que, a recomendação médica é restrita a uma parcela das substâncias químicas presentes na planta, as quais devem ser processadas e ministradas mediante rígidos critérios e em casos muito especiais.
Transportando-nos de volta ao Brasil, imagino ainda mais difícil obter ganhos socioeconômicos por tornar a maconha legalizada. O governo se responsabilizaria pelo plantio, colheita, empacotamento e distribuição, com sua notável correção e eficiência? Ou a produção/comercialização seria transferida à iniciativa privada? Os tributos incidentes sobre o consumo se tornariam fonte importante de receita para o governo? E os traficantes de hoje? Por certo largariam o crime e passariam a ser responsáveis trabalhadores.
De todo modo, parece que o debate sobre a erva começa a se encaminhar após o advento uruguaio. Ainda mais nociva à saúde que a maconha, a devastadora cocaína, aspirada ou em sua forma mais cruel — em pedra, a ser queimada e fumada — também está na praça, ofertada abundantemente.
O crack vicia de pronto e mata em pouco tempo. Antes disso, alija do convívio familiar e social, marginaliza, degrada. Alentada reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada no início de junho, demonstrou que 194 cidades paulistas têm “alto problema” decorrente do consumo de crack. Os guetos de dependentes antes restritos às metrópoles agora pipocam em pequenos e médios municípios do interior, na maioria dos quais a rede pública de saúde é deficitária e os profissionais não são preparados para cuidar desses pacientes.
Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz indicou que 0,8% da população brasileira usa crack regulamente. É isso mesmo: 1,6 milhão de brasileiros fumam crack! Enquanto isso, em São Paulo, divergências filosóficas entre o Governo Federal e o Governo do Estado impedem o aprimoramento do tratamento dos dependentes. Enquanto o primeiro prefere a atenção domiciliar, com acompanhamento nos Centros de Atenção Psicossocial, o segundo opta por internações, às vezes compulsórias, em hospitais especializados e comunidades terapêuticas.
O descompasso prejudica. Seria pedir demais que se chegasse a um denominador comum, como forma de fortalecer a luta contra essa droga tão cruel?
Fonte: Uniad
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